[EXERCÍCIOS] "O BRASIL NEGREIRO": RELAÇÃO INTERTEXTUAL COM CASTRO ALVES

 



O Brasil Negreiro

Passaram-se 125 anos desde o dia em que “O Navio Negreiro" de Castro Alves singrou mares de inspiração, para enganchar suas âncoras na história da literatura brasileira. Desde então, a turba de deserdados, antigas “legiões de homens negros como a noite", se morenizou. Porém, o “sonho dantesco" desfiado pelo cantor dos escravos não acabou.

O “tinir de ferros" e o “estalar do açoite" que feriram o tímpano da pena de Castro Alves deram lugar a um silêncio ensurdecedor. Mas a “multidão faminta" do poeta ainda “cambaleia". Os carrascos, estes sim, sofreram profunda mutação. Ao esforço imposto pelo manuseio do chicote, preferem subjugar de formas mais sutis.

Com a mão esquerda, afagam. Com a direita, concentram a renda. Pela manhã, impõem a corrosão do imposto inflacionário aos salários. À noite, engordam o lucro no giro da interminável ciranda financeira. Na eleição transbordam paternalismo. No exercício da função, traem e saqueiam.

Nesse ambiente sinistro, as mulheres do poeta, que o tempo e a miscigenação cuidaram de desbotar, continuam levando às tetas magras crianças. Passando mais de um século, os “gritos, ais, maldições e preces" que embalaram o navio da agonia continuam produzindo turbulência.

O Brasil sacode-se nas ondas da escravidão social. A multidão de excluídos, antes isolada pelas correntes no “porão negro, fundo, infecto, apertado e imundo" da embarcação de Castro Alves, hoje desfila ameaçadora pelo convés.

Sequiosa de vingança, a patuleia força seus algozes a gradearem as cabines chiques das grandes cidades. Vez por outra se ouve o “baque de um corpo ao mar". Mas a identificação da vítima já não é automática. Sem prévia checagem, não se sabe se tombou um escravo ou um dono de chibata, vítima da virulência da senzala pós-moderna.

Enquanto a nação se afoga em discussões intermináveis e estéreis, o Brasil se parece cada vez mais com a nação daquele abril de 1868 em que a mão do poeta tingiu o papel com as cores da revolta.

(Josias de Souza)


singrou: navegou, velejou, abriu caminho.

turba: multidão, grande massa de pessoas aglomeradas.

dantesco: pavoroso, medonho, horrendo (relativo a Dante Alighieri, poeta italiano, conhecido por escrever "A Divina Comédia"; no caso refere-se ao "Inferno" de Dante).

cambaleia: vacila sobre os pés, não tem apoio ou equilíbrio.

paternalismo: sistema político que disfarça o autoritarismo através de medidas de proteção.

sequiosa: sedenta, desejosa, ávida.

patuleia: classe social economicamente desfavorecida.

algozes: aquele que causa dor, sofrimento, tormento.

virulência: violência, impetuosidade.


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1. Em que aspectos o título do texto recupera o título do antológico poema de Castro Alves?


2. Considerando que o texto retoma o poema de Castro Alves para simbolizar a situação atual do país, o que significa a passagem “Desde então, a turba de deserdados, antigas ‘legiões de homens negros como a noite’, se morenizou". Que outra passagem do texto se refere ao mesmo fenômeno étnico?


3. Identifique a figura sonora presente em “O tinir de ferros" e “estalar de açoite".


4. O que significa a expressão em destaque em “feriram o tímpano da pena de Castro Alves"?


5. Identifique o parágrafo inteiramente construído por oposição, em que há termos que configuram claramente antíteses.


6. Na disposição em que se encontram, formando uma sequência de pares, a construção do terceiro parágrafo caracteriza um recurso estilístico denominado:


7. O que se depreende da expressão “continuam levando às tetas magras crianças"?


8. “Sequiosa de vingança, a patuleia força seus algozes a gradearem as cabines chiques das grandes cidades." Identifique a figura de linguagem e o significado que ela encerra.


9. Na frase “não se sabe se tombou um escravo ou um dono de chibata, vítima da virulência da senzala pós-moderna", o que se pode depreender denotativamente?


10. Em “Enquanto a nação se afoga em discussões intermináveis e estéreis" e “em que a mão do poeta tingiu o papel com as cores da revolta", identifique as figuras de linguagem.


11. Que nome recebe o recurso estilístico utilizado por Josias de Souza ao incorporar ao seu discurso e ao título trechos do poema “Navio Negreiro", de Castro Alves?


12. Que conclusão o texto de Josias de Souza nos sugere?


Análise da estrutura dissertativo-argumentativa: 

https://drive.google.com/file/d/1WGcVomdoqwySVdt-l-1t3Gi0uKcEDq3N/view?usp=sharing


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