[REDAÇÃO] GÊNERO CRÔNICA
NOITE DE
AUTÓGRAFOS
A leitora,
vistosa, usando óculos escuros num ambiente em que não eram necessários, se
posta diante do autor sentado do outro lado da mesa de autógrafos e estende-lhe
o livro, junto com uma pergunta:
— O que é
crônica?
O escritor
considera responder com a célebre tirada de Rubem Braga, “se não é aguda, é
crônica”, mas se contém, temendo que ela não goste da brincadeira. (...)
Responde com aquele jeito de quem falou disso algumas vezes:
— É um
texto de escritor, necessariamente de escritor, não de jornalista, que a
imprensa usa para pôr um pouco de lirismo, de leveza e de emoção no meio
daquelas páginas e páginas de dados objetivos, informações, gráficos,
notícias... É coisa efêmera: jornal dura um dia, revista dura uma
semana.
Já se
prepara para escrever a dedicatória e ela volta a perguntar:
— E o
livro de crônicas, então?
Ele olha a
fila, constrangido. Escreve algo brevíssimo, assina e devolve o livro à leitora
(...). Ela recebe o volume e não se vai, esperando a resposta. Ele abrevia,
irônico:
— É a
crônica tentando escapar da reciclagem do papel. Ela fica com ambição de
estante, pretensiosa, quer status literário. Ou então pretensioso é o autor,
que acha que ela merece ser salva e promovida. (...)
— Mais
respeito. A crônica é a nossa última reserva de estilo.
(Ivan Ângelo. Veja São Paulo, 25/07/2012)
1. O cronista
caracteriza a crônica como “coisa efêmera”. Que justificativa ele usa para essa
caracterização? Explique.
2. A moça rebate
sua resposta com uma pergunta retórica. Que pergunta é essa? O que a moça tenta
afirmar a partir dela?
3. Que
conclusão sobre esse gênero literário nós podemos tirar a partir da crônica
apresentada?
PIZZA POR DRONE
Não
ria, mas a entrega de pizzas nas noites de sexta e sábado é um problema para as
grandes cidades. Em nome do conforto das famílias, os motoboys das pizzarias
tomam as ruas com a preciosa carga, infernizam o trânsito, comprometem o
ambiente com seus canos de descarga e neurotizam os motoristas fazendo bibibi.
Sei bem que, diante do prazer que as pizzas proporcionam, seus consumidores
fazem vista grossa a isso e ao despropósito de se comprometer um veículo de 200
kg para transportar um pacote de 2 kg.
Mas
a tecnologia se preocupa. Agora, graças à Amazon e ao Google, são os satélites
que trazem uma solução nova: a entrega por drone. Pede-se a pizza pelo celular;
ela é acomodada num drone equipado com GPS e, em poucos minutos, chega, fofa e
quentinha, à porta do prédio ou casa do cliente. Pode-se recolhê-la já de
guardanapo ao pescoço. Não congestiona as ruas, não polui, não faz barulho e
deixa um perfume de orégano no ar.
Mas
há alguns inconvenientes. As autoridades não gostam que os drones voem à noite.
A fiação aérea nas cidades não é favorável a objetos que voam baixo. E há ainda
o risco de colisão com corujas e morcegos. Mas, pelo menos, 59 anos depois do
Sputnik, ficamos sabendo para que se inventou o satélite. Para acabar em pizza.
(Ruy
Castro. Folha de S. Paulo, 31/08/2016)
4. Na organização textual, a frase que inicia o segundo parágrafo ("Mas a tecnologia se preocupa") deve ser entendida como uma informação que:
a) se opõe às precedentes, marcadas pelo imediatismo do interesse próprio das pessoas.
b) se coaduna com as precedentes, apresentando a justificativa para o despropósito.
c) se distancia das precedentes, pois deixa de considerar as vantagens da tecnologia.
d) se confunde com as precedentes, que também enfatizam a importância da tecnologia.
e) se contrapõe às precedentes, as quais negam a necessidade de novas tecnologias.
5. Na elaboração de seu discurso, o autor recorre a diferentes registros linguísticos. Entre eles, identifica-se a variedade linguística coloquial em:
a) (...) ela é acomodada num drone equipado com GPS e, em poucos minutos, chega, fofa e quentinha...
b) (...) se comprometer um veículo de 200 kg para transportar um pacote de 2 kg.
c) (...) a entrega de pizzas nas noites de sexta e sábado é um problema para as grandes cidades.
d) A fiação aérea nas cidades não é favorável a objetos que voam baixo.
e) (...) graças à Amazon e ao Google, são os satélites que trazem uma solução nova: a entrega por drone.
O FIM DA
AMAZÔNIA
Lembro
bem do dia em que o céu escureceu. Dezenove de agosto de 2019. No meio da
tarde, a fumaça das queimadas florestais encontrou uma frente fria em São
Paulo.
Como
se Deus, desgostoso com a descendência de Adão, houvesse revogado o "Fiat
Lux". Como se Zeus, ao ver o que os homens tinham feito com o fogo roubado
por Prometeu, apagasse o sol. "O medo do Asterix era que o céu caísse sobre
nossas cabeças." — disse o meu amigo Ricardo, encarando o teto preto — "pois bem, caiu". Eu tinha 41 anos. Meus filhos, seis e quatro.
Muitos
interpretaram aquela treva diurna como um alarme, talvez o último antes da
catástrofe climática, depois de uma série incontável de avisos em forma de
secas e enchentes e degelos e furacões.
Olhando
pela janela o céu escuro, ouvi a pergunta: "Se vocês sabiam o que estava
acontecendo, por que não fizeram nada?". Eram meus netos, trinta anos
depois daquele breu — ou seja, hoje, em 2049 —, revoltados com a herança
deixada por nossa geração.
Suei
ao nos imaginar em 2049 numa terra alguns graus mais quente, falta d'água do
Oiapoque ao Chuí, a Amazônia em processo irreversível de savanização, calotas
polares derretidas, vastas extensões tropicais inabitáveis, migração em massa,
guerras, fome, malária, dengue e chikungunya matando da Patagônia à Dinamarca.
À
noite no meio do dia me pareceu um sinal óbvio demais para ser ignorado:
bíblico, hollywoodiano, chegava a ser clichê — e ainda bem que os clichês
funcionam, pois naquele mundo tão torto, que ameaçava sair definitivamente dos
trilhos, a sensatez surpreendentemente prevaleceu.
Acontece
que os responsáveis pelo agronegócio brasileiro também tinham janela e
perceberam que do jeito que a coisa ia seus produtos seriam boicotados, como os
produtos da África do Sul durante o apartheid (o termo “pária" pipocava
na imprensa para descrever como o Brasil estava sendo visto
internacionalmente).
Os
industriais também tinham janela e perceberam que sem floresta não haveria água
e sem água não haveria energia e sem energia não haveria indústria.
Também
tinham janela os investidores do mercado financeiro, que se deram conta de que
não haveria liquidez na savana e nem pregão no deserto.
Agosto
de 2019 foi um ponto de inflexão. Os agricultores, os industriais e os
investidores se juntaram aos 96% de brasileiros que, segundo pesquisa Ibope da
época, diziam se importar com a preservação da Amazônia.
Não
foi fácil. O Brasil saiu chamuscado, arranhado, exausto, mas sobreviveu. O novo
governo eleito em 2022, um governo de coalizão e reconstrução, retomou e
melhorou as políticas protecionistas.
Verdade
que o mundo hoje é bem diferente daquele no qual eu nasci; o estrago já era
grande em 2019.
Meus
netos só conhecem abelhas e borboletas dos livros, de filmes e da realidade
virtual e quando contei pra eles a história do Titanic, ficaram bem menos
impressionados com o destino do navio do que com a descrição de um iceberg.
Estamos
vivos, porém. Somos livres. Seguimos na luta. Hoje faz sol e o céu é azul.
(Antonio
Prata)
A crônica de Antonio Prata tem com base um evento ocorrido em 2019. Para saber mais sobre isso, leia a notícia abaixo:
6. As características dessa crônica nos permitem classificá-la como que tipo de crônica? Pode haver mais do que um tipo.
7. O que a diferencia das crônicas que você leu até aqui? Explique.
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