[INTERPRETAÇÃO] ETNIA E RAÇA
"Castigo Imposto aos Negros" (1831), de Jean-Baptiste Debret
Em seus desenhos, Debret captou imagens da sociedade brasileira. Neste grupo de escravos de ganho, chamam a atenção os artefatos metálicos colocados em seus corpos, servindo tanto para castigá-los — indicando que já foram flagrados em fuga — como para facilitar a captura, caso reincidissem na fuga. Através da pintura podemos perceber a construção da imagem social da pessoa negra, a estruturação de nossa sociedade a partir da desigualdade étnico-racial e de que maneira isso se faz presente no Brasil contemporâneo. Os textos abaixo permitirão uma análise mais profunda sobre o tema. Vamos a eles!
Ser Negro
Ser negro no Brasil não é fácil. Talvez não seja tão difícil quanto foi antes, mas não é fácil. E não o é porque o negro teve aqui uma história iníqua, que o marcou e nos marca a todos, fez da cor de sua pele um sinal de desigualdade. Independentemente da vontade de quem quer que seja, a pele de cor negra indica uma origem socialmente “inferior", ainda que saibamos e acreditemos que todas as pessoas são iguais.
(...)
A ciência hoje ensina que a humanidade é constituída de indivíduos que, resultantes de imprevisíveis combinações de uns mesmos elementos genéticos, guardam sua inconfundível individualidade: alguns são mais saudáveis, outros menos; alguns são mais criativos que outros, mais hábeis que outros, mais tímidos, mais extrovertidos ou mais violentos ou mais desabusados, enfim, uma variedade de tipos que seria impossível enumerá-los todos. E isso não depende da etnia e muito menos da cor da pele.
Por isso, em que pesem tantos traços individuais próprios, somos todos uma única espécie — a espécie humana, definida, mais que tudo, por sua capacidade de inventar-se e inventar o mundo em que vive. O homem, filho da natureza como todos os demais seres, define e enriquece sua humanidade na medida mesma em que supera impulsos egoístas e se reconhece no outro, irmão do outro, solidário e justo. O racismo é fruto do atraso e da pobreza espiritual, mantém-se na contramão da evolução cultural do homem em direção à fraternidade e à solidariedade.
(Ferreira Gullar)
1. Ferreira Gullar, em “Ser Negro", coloca em foco elementos históricos brasileiros que explicam que o preconceito racial está ligado:
a) à dificuldade de adaptação econômica e cultural que os negros enfrentaram na sociedade brasileira.
b) ao processo de escravização a que o negro africano foi submetido e à herança dessa discriminação no pós-abolição.
c) à iniquidade da sociedade do século XIX, que acreditava na tese liberal de igualdade social.
d) ao anacronismo da sociedade imperial, que defendia ideais como imigração de europeus.
e) ao caráter imprevisível que a ciência atribui atualmente à definição das etnias.
2. Ferreira Gullar define a espécie humana como marcada sobretudo pela capacidade de
a) apego ao atraso e à radicalização.
b) compartilhamento de informação.
c) reinvenção de si e do mundo.
d) autodestruição pela ganância.
e) egoísmo insuperável.
Alguns pesquisadores falam sobre a necessidade de um “letramento racial", para “reeducar o indivíduo em uma perspectiva antirracista", baseado em fundamentos como o reconhecimento de privilégios, do racismo como um problema social atual, não apenas legado histórico, e a capacidade de interpretar as práticas racializadas. Ouvir é sempre a primeira orientação dada por qualquer especialista ou ativista: uma escuta atenta, sincera e empática. Luciana Alves, educadora da Unifesp, afirma que "Uma das principais coisas é atenção à linguagem. A gente tem uma linguagem sexista, racista, homofóbica, que passa pelas piadas e pelo uso de termos que a gente já naturalizou. ‘A coisa tá preta’, ‘denegrir’, ‘serviço de preto’... Só o fato de você prestar atenção na linguagem já anuncia uma postura de reconstrução. Se o outro diz que tem uma carga negativa e ofensiva, acredite".
(Adaptado de "Gente branca: o que os brancos de um país racista podem fazer pela igualdade além de não serem racistas". UOL, 21/05/2018)
3. Segundo Luciana Alves, para combater o racismo e mudar de postura em relação a ele, é fundamental
a) ouvir com atenção os discursos e orientações de especialistas e ativistas.
b) reconhecer expressões racistas existentes em práticas naturalizadas.
c) passar por um “letramento racial" que dispense o legado histórico.
d) prestar atenção às práticas históricas e às orientações da educadora.
Os anos correm entre um século e outro, mas os problemas permanecem os mesmos para os kalungas*.
Quilombolas** que há mais de 200 anos encontraram lar entre os muros de pedra da Chapada dos Veadeiros, na região norte do Estado de Goiás, os kalungas ainda vivem com pouca ou quase nenhuma infraestrutura. De todos os abusos sofridos até hoje, um em particular deixa essa comunidade em carne viva: os silenciosos casos de violência sexual contra meninas. Entretanto, passado o afã das denúncias de abuso sexual que figuraram em grandes reportagens da imprensa nacional em abril do ano passado, a comunidade retornou ao seu curso natural. E assim os kalungas continuam a viver no esquecimento, no abandono e, principalmente, no medo. As vítimas não viram seus algozes punidos. O silêncio prevalece e grita alto naquelas que se arriscaram a mostrar suas feridas. O sentimento é o de ter se exposto em vão.
(Adaptado de Jéssica Raphaela e Camila Silva,
O silêncio atrás da serra. Revista Azmina. Disponível em
http://azmina.com.br/secao/o-silencio-atras-da-serra/.
Acessado em 03/10/ 2016.)
* Kalungas: habitantes da comunidade do quilombo Kalunga, maior território quilombola do país.
** Quilombolas: termo atribuído aos “remanescentes de quilombos . Atualmente, há no Brasil cerca de 2.600 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural dos Palmares.
4. De acordo com o texto, responda às questões abaixo.
a) Identifique no texto dois motivos para o sofrimento histórico vivido pela comunidade quilombola Kalunga.
b) No final do texto há uma figura de linguagem conhecida como paradoxo. Quais termos são utilizados para se obter esse efeito de sentido?
7. O texto apresentado é a abertura de um romance que introduziu, em 1881, o Naturalismo no Brasil: O Mulato. A expressiva descrição do calor atinge o clímax ao focalizar a cidade paralisada, para, em seguida, se encerrar com uma menção aos negros, reforçando o contraste entre sua situação e o que ocorria na cidade. Tal contraponto permite inferir que a condição social desse grupo era marcada por
a) saudosismo, pois mostra apreço ao clima semelhante ao da África.
b) otimismo, pois expõe a capacidade de vencer as dificuldades do meio.
c) comodismo, pois indica aceitação de condição insalubre de trabalho.
d) submissão, pois mostra os negros como os únicos trabalhando sob o calor intenso.
e) saúde, pois revela disposição em colocar o trabalho acima de tudo.
8. De que maneira o quadro "Operários" (abaixo), de Tarsila do Amaral, se relaciona com os temas trabalhados nas questões anteriores?
Numa sociedade competitiva como a nossa, o ato de etiquetar o outro como diferente e inferior tem por função definir-nos, por comparação, como superiores. Atribuir características negativas aos que nos cercam significa ressaltar as nossas qualidades, reais ou imaginárias.
De uma forma mais precisa podemos dizer que o discurso preconceituoso procura enquadrar as diferentes minorias, a partir de um prejulgamento decorrente de generalização não demonstrada. Mas isso não importa à pessoa preconceituosa. Afirmações do tipo “os portugueses são burros", “os italianos são grossos", “os árabes, desonestos", “os judeus, sovinas", “os negros, inferiores", “os nordestinos, atrasados", e assim por diante, têm a função de contrapor o autor da afirmativa como a negação, o oposto das características atribuídas ao membro da minoria.
Por isso é que dizemos que o preconceito é de uma irracionalidade racional, por mais paradoxal que a formulação pareça. É evidente que o total de pessoas atingidas pelo preconceito constitui a maioria numérica da sociedade, principalmente se nela incluirmos as mulheres, ainda fruto de preconceitos machistas elementares (“mulher não sabe dirigir", “mulher é objeto" são apenas alguns dos mais correntes). Se somarmos as mulheres aos negros, nordestinos e descendentes de algumas das nacionalidades já mencionadas, as “minorias" se transformarão em esmagadora maioria.
O olhar branco e majoritário que lançamos pela História não perdoa nada. Somos, na visão reproduzida em muitas escolas, brancos de cultura branca, que absorveram aspectos pitorescos das outras raças, como temperos, crendices e alguns ritmos. Olhamos os negros com rancor, como se eles tivessem escolhido vir para cá “manchar a sociedade branca". Após escravizá-los, reclamamos de seu caráter submisso. Após esmagá-los de trabalho, por séculos, falamos de sua preguiça. Depois de deixá-los na rua, quando da Abolição, não nos conformamos com sua pobreza.
Por todas essas razões, combater a discriminação aos negros (e, por extensão, toda e qualquer discriminação ou preconceito) é não apenas uma atitude politicamente correta, mas racionalmente consequente e socialmente aconselhável.
(Jaime Pinsky)
Tese/ideia núcleo construída a partir de um conceito.
Evidência e análise: comprovação da tese e exemplos de preconceitos.
Análise crítica e exemplos de preconceito.
Análise crítica e exemplos de racismo.
Conclusão com síntese analítica da argumentação.
EXTRA: De que maneira a música de Criolo aborda o tema tratado? Com qual outro texto ela estabelece uma relação de intertextualidade? Qual a intenção ao estabelecer esse paralelo?
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