[MOVIMENTO] MODERNISMO: 1ª GERAÇÃO

 


O quadro "Cartão-postal", de Tarsila do Amaral, apresenta uma paisagem do Rio de Janeiro, o que fica evidente pela imagem do Pão de Açúcar no centro da obra. Observe a forma como a cidade, capital do país na época, foi representada: o tipo de traço utilizado; as formas, cores e tons; os elementos apresentados etc. Você com certeza percebeu que a artista buscou ressaltar elementos da fauna e flora nacionais (árvores, arbustos, frutos e macacos).
Que outro período estético buscou representar o país a partir de elementos locais? Se você respondeu "Romantismo", acertou!

Veja um dos quadros desse período para relembrá-lo:


A obra acima é "Floresta virgem do Brasil", do Conde Clarac. Ela apresenta elementos marcantes da pintura romântica da primeira geração. Você consegue perceber as diferenças entre ela e o quadro de Tarsila, não é mesmo? Apesar dessas diferenças, as duas apresentam, em comum, características nacionalistas (basta reparar no título da obra de Tarsila do Amaral). Esse viés nacionalista também estará presente nos dois períodos artísticos e literários: no Romantismo, de forma bastante idealizada, e no Modernismo, de forma crítica, olhando para o povo, sua cultura e sua linguagem.


("Tropical", de Anita Malfatti - ao fundo)

Os filhos da elite paulista, ao realizarem seus estudos fora do país (Europa e EUA), entraram em contato com as Vanguardas Europeias, o que proporcionou uma mudança radical nas artes nacionais, concomitante ao fim da República Velha. Anita Malfatti foi uma dessas jovens; filha de pai engenheiro (italiano) e mãe pintora (norte-americana), a artista estudou em Berlim e em Nova York, entrando em contato com as estéticas cubista e expressionista, que marcaram sua produção. Em 1914, realizou sua primeira exposição individual. Uma exposição de suas obras, em 1917, foi alvo de duras críticas do escritor Monteiro Lobato. Seu artigo "Paranoia ou mistificação", publicado no jornal O Estado de S. Paulo, impulsionou a juventude que já não via sentido nos padrões estéticos da época.

Leia um trecho do artigo de Lobato logo abaixo:





Os amigos de Anita Malfatti se organizaram para responder ao ataque e decidiram tornar mais visíveis ainda as novas tendências da arte europeia. Mário de Andrade publicou um artigo no Jornal do Commercio intitulado "Mestres do passado"; as críticas se dirigiam principalmente ao Parnasianismo e apontavam já as características que norteariam a produção modernista: rejeição ao artificialismo, à arte pela arte, às regras limitadoras da criação, à imposição de um conceito de beleza convencional. 

Para relembrar os conceitos referentes ao Parnasianismo, acesse o link abaixo:

https://professora-anapotenza.blogspot.com/2020/08/movimento-parnasianismo.html


Você se lembra do poema Uvi strella, de Juó Bananere? Ele é um bom exemplo das críticas direcionadas à produção parnasiana e, consequentemente, ao poeta Olavo Bilac.


O artigo de Monteiro Lobato acabou por incentivar a organização dos artistas que buscavam descontruir os padrões estéticos que julgavam conservadores. Em 1922, a Independência do Brasil comemorava 100 anos e o grupo de modernistas viu na data uma oportunidade para promover um evento de "lançamento" das suas propostas inovadoras.


(Capa da programação da Semana de 22, de Di Cavalcanti)


As exposições, mostras, conferências e concertos aconteceram no Teatro Municipal, símbolo paulistano da arte acadêmica, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Os principais artistas que encabeçaram e se apresentaram na Semana de Arte Moderna foram: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho, Heitor Villa-Lobos e Manuel Bandeira (que não participou por motivo de saúde, mas enviou um poema que ficou conhecido como um dos destaques do evento).

Você já ao Teatro Municipal? Conheça esse importante espaço da cidade São Paulo neste tour virtual: https://theatromunicipal.org.br/pt-br/tour-virtual/



  • 13 de fevereiro
Na noite de abertura, a casa estava cheia; a elite paulistana compareceu em peso ao evento, que contou a conferência "A emoção estética da Arte Moderna", de Graça Aranha (apoiador entusiasmado da Semana). No saguão, pinturas e esculturas causavam espanto no público presente. Apesar das reações adversas, a noite transcorreu tranquilamente. 

  • 15 de fevereiro
A segunda noite foi conturbada. Mário de Andrade deu uma palestra sobre o abrasileiramento da língua e da literatura, o texto estaria depois no livro "A escrava que não é Isaura". Menotti del Picchia apresentou sua palestra sobre as novas tendências e artistas sob vaias, relinchos, latidos e miados. Quando Ronald de Carvalho subiu ao palco para ler o poema "Os Sapos", de Manuel Bandeira, o público já estava bastante agitado e atrapalhou a leitura em coro. O poema de Bandeira é uma crítica direta ao parnasianos; o autor se valeu da sonoridade (métrica e rimas) dos poemas parnasianos para ironizá-los. Ouça abaixo o poema de Manuel Bandeira e, abaixo, você pode ler uma análise sobre o mesmo. 



Análise do poema "Os Sapos", de Manuel Bandeira:

  • 17 de fevereiro
A noite de sexta-feira foi mais tranquila do que a anterior, talvez por conta do público reduzido. Porém, um acontecimento desagradou o público: Heitor Villa-Lobos subiu ao palco calçando um sapato e chinelo, o que foi visto pela plateia como uma excentricidade modernista desrespeitos, mas, na verdade, soube-se depois que o músico estava com um calo inflamado no pé e por isso se vestiu desta maneira. 

No link a seguir, você pode ouvir uma peça de Villa-Lobos: 


+MAIS
A minissérie "Um só coração", da Rede Globo, representou a Semana de Arte Moderna e seus artistas. Você pode assistir a algumas cenas no vídeo abaixo.



Apesar da rejeição do público, aos poucos surgiam obras que tornavam irreversíveis as mudanças anunciadas no evento do Teatro Municipal. Ainda em 1922, Mário de Andrade publicou "Paulicéia desvairada", livro de poemas; em 1923, Oswald de Andrade publicou o romance "Memórias sentimentais de João Miramar"; em 1924, Manuel Bandeira lança "O ritmo dissoluto". 
A busca pela identidade nacional voltava ao centro da produção artística e literária de uma geração. Um questionamento sistemático dos valores que fundamentavam o gosto nacional é inspirado pelas propostas iconoclastas das vanguardas europeias. A crença na necessidade de destruir esses valores para formação de uma nova arte é o que anima os modernistas da 1ª geração, que davam seu grito de independência e se revoltavam contra os modelos do passado.


Os primeiros modernistas brasileiros investiram em revistas e manifestos para a circulação de seus textos. Klaxon, a primeira revista modernista, trazia no primeiro número, lançado em maio de 1922, um manifesto que destacava as características da produção: a busca pelo atual, o culto ao progresso, a incorporação de novas formas artísticas e a afirmação que a arte não é uma cópia da realidade.


(Publicação da Revista Klaxon expõe crítica aos poetas parnasianos)


Dois manifestos se destacam na fase heroica do Modernismo, ambos de Oswald de Andrade. Em 1924, o escritor publica Manifesto Pau-brasil; o ideal desse manifesto era conciliar a cultura nativa e a cultura intelectual. Também propunha ver com olhos livres, fazer uso da língua sem preconceitos e resgatar todas as manifestações culturais, independente de serem da elite ou do povo. 






Em 1928, Oswald lança o Manifesto antropófago. Valendo-se da antropofagia como metáfora do que deveria ser culturalmente assimilado para se alcançar uma verdadeira independência cultural, o autor sintetiza as conquistas do movimento modernista e lança um lema para os tempos futuros: tupy, or not tupy, that is the question. Provocando mais uma vez polêmica, Oswald defende que os brasileiros deveriam adotar uma postura crítica diante das influências europeias, "digerindo" o que interessasse e eliminando o resto.

 

A obra Abaporu (1924), de Tarsila do Amaral, inspirou o movimento antropofágico. Em tupi, "aba" quer dizer "homem" e "poru", "que come".

No link abaixo, você pode ler os dois manifestos integralmente:


# LINGUAGEM MODERNISTA: português brasileiro

Os modernistas promoveram uma expressão poética que alcançou uma liberdade formal inovadora: versos de todos os tamanhos, com rimas ou sem, estrofes com diferentes números de versos, tudo era permitido.
A nova postura nacionalista também se manifesta no plano da linguagem. Mário de Andrade lidera a campanha pelo uso da "língua brasileira". Em seus livros, encontramos palavras mais próximas da fala popular. Além da aproximação entre fala e escrita, a prosa modernista se torna mais ágil; as longas descrições românticas e realistas dão lugar as cenas breves, apresentadas em sucessão, que lembram uma nova expressão artística: o cinema.



Mário de Andrade (1927), de Lasar Segall.


MÁRIO DE ANDRADE

Filho de pais humildes, Mário de Andrade foi um aluno dedicado. Chegava a passar 9 horas estudando música, sua maior paixão. Nasceu em São Paulo, cidade pela qual era apaixonado e onde morou por quase toda sua vida. Em seus versos sobre São Paulo e sobre o Brasil, o poeta projetava a essência de sua alma lírica. 
Dono de grande cultura e conhecimento, foi um dos líderes da 1ª geração, tomando para si a tarefa de articular as discussões artística e promover a reflexão sobre o nacionalismo.
Empenhado em pesquisar os elementos mais característicos da identidade nacional, viajou pelo Brasil coletando exemplo de manifestações folclóricas e musicais na tentativa de representar a essência do país. Foi grande defensor da "língua brasileira", chegando a pensar na criação de uma gramática que incorporasse os falares regionais e seus neologismos sintáticos. A obra "Macunaíma" é um ótimo exemplo das intenções do escritor; para saber mais sobre a obra, acesse o link abaixo. 



Para aprofundar seus conhecimentos sobre a escrita do autor, realize os exercícios presentes no link: https://forms.gle/ekFkRVzDJf5WqirA6




(Capa do livro de contos "Brás, Bexiga e Barra Funda", principal obra de Alcântara Machado)


ALCÂNTARA MACHADO


Filho de família paulista tradicional, Alcântara Machado formou-se em Direito, mas preferiu dedicar-se às carreiras de jornalista e escritor. Dirigiu diversas revistas modernistas, como Terra Roxa e Revista de Antropofagia. Registrou em seus livros cenas de uma cidade de São Paulo que passava pelo processo de industrialização. Sua obra mais conhecida "Brás, Bexiga e Barra Funda" (1927) tem como cenário os três bairros operários que dão nome ao livro, todos de origem italiana. Os contos apresentam cenas rápidas, flagrando situações e tipos humanos, quase como tomadas cinematográficas compõem sua narrativa. O leitor acompanha o cotidiano dos imigrantes italianos (pequenos comerciantes, costureiras, empregados de armazém e operários) em situações típicas da cidade de São Paulo, em uma construção quase caricata. A obra é uma composição híbrida entre conto, crônica e texto jornalístico.




Oswald de Andrade (1922), de Tarsila do Amaral.


A condição econômica de Oswald de Andrade, filho de família rica, permitiu que o jovem viajasse diversas vezes para fora do país e entrasse em contato com as tendências que fervilhavam, principalmente, na Europa. Autor dos manifestos Pau-brasil e Antropófago, foi um dos mentores da primeira geração. Em seus poemas, Oswald afirma uma imagem de Brasil marcada pelo humor, pela ironia e também por uma crítica profunda e um imenso amor ao país. Um visão crítica da história do Brasil se manifesta na releitura de textos e eventos do período colonial. O escritor também ficou conhecido pelos poemas-piada, textos curtos em que um trocadilho ou jogo verbal mais ligeiro desencadeia o efeito humorístico. Na prosa, sua produção mais famosa é "Memórias sentimentais de João Miramar", em que os capítulos curtos formam um imenso mosaico da realidade nacional. 

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Brasil

O Zé Pereira chegou de caravela

E preguntou pro guarani da mata virgem

- Sois cristão?

- Não. Sou bravo, sou forte sou filho da Morte

Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!

Lá de longe a onça resmungava Uu! Ua! Uu!

O negro zonzo saído da fornalha

Tomou a palavra e respondeu

- Sim pela graça de Deus

Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!

E fizeram o Carnaval.


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Uma das oficinas culturas da cidade de São Paulo recebe o nome de Oswald de Andrade, em sua homenagem, e está localizada no bairro do Bom Retiro: https://www.poiesis.org.br/new/noticias/ver.php?id=642






Manuel Bandeira (1931), de Candido Portinari.


Nascido no Recife em 1886, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por quase toda a sua vida. Em 1904, um ano após iniciar os estudos na Escola Politécnica de São Paulo, teve de abandonar o curso e dedicar-se ao tratamento de uma doença que, naquela época, ainda era vista como incurável: a tuberculose. Em 1913, foi tratar-se em um sanatório na Suíça, onde o médico apresentou-lhe uma perspectiva bastante incerta em relação ao seu tempo de vida. A poesia passou a representar uma saída para o desconsolo em que vivia o poeta desde a descoberta da doença. É através do exercício literário que Bandeira reflete sobre a vida, fala sobre suas memórias de menino, registra cenas do cotidiano e, acima de tudo, aprende a lidar com a ameaça da morte. Uma das inovações da obra de Manuel Bandeira é o uso da linguagem na apresentação das situações cotidianas. A capacidade de ver as cenas mais banais do dia a dia filtradas por lentes líricas e de recriá-las poeticamente por meio de uma linguagem simples são as características mais marcantes da sua poesia. Desta maneira, o poeta consolidou um novo caminho para a poesia brasileira, pois sua obra vai além dos limites históricos para tematizar angústias e conflitos humanos de caráter universal: o amor, a paixão pela vida, a saudade de uma infância idealizada e o medo da morte.



O curta-metragem "O poeta do Castelo" (1959), de Joaquim Pedro de Andrade, apresenta o próprio Manuel Bandeira com personagem principal.  Ouvimos, pela sua voz, quatro poemas de sua autoria: "Belo belo II", "Testamento", "O último poema" e "Vou-me embora pra Pasárgada".

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Belo belo minha bela

Tenho tudo que não quero

Não tenho nada que quero


Leia uma análise do filme "O poeta do Castelo" clicando aqui.





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